17/02/2010

A LATINHA DE LEITE

Um facto real.
Dois irmãozinhos maltrapilhos, provenientes da favela, um deles de cinco anos e o outro de dez, iam pedindo um pouco de comida pelas casas da rua que beira o morro. Estavam famintos. "Vai trabalhar malandro e não amole" ouvia-se atrás da porta; "aqui não há nada, moleque..." dizia outro...
As múltiplas tentativas frustradas entristeciam as crianças... por fim, uma senhora muito atenta disse-lhes: "vou ver se tenho alguma coisa para vocês... coitadinhos!" E voltou com uma latinha de leite.
Que festa! Ambos se sentaram na calçada.  O menorzinho disse para o de dez anos: "Você é mais velho, tome primeiro..." e olhava para ele com seus dentes brancos, a boca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.
Eu, como um tolo, contemplava a cena.... se vocês vissem o mais velho olhando de lado para o pequenino! Leva a lata à boca e, fazendo um gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depopis, estende a lata ao irmão e diz: "agora é a sua vez"´. Só um pouco.
E o irmãozinho, dando um grande gole, exclama: "como está gostoso!"
"Agora eu", diz o mais velho. E levando a latinha, já meio vazia à boca, não bebe nada. "Agora você".
"Agora eu". "Agora você". Agora eu"...
E, depois de três, quatro, cinco ou seis goles, o menorzinho, de cabelo encaracolado, barrigudinho, com a camisa de fora, esgota o leite todo.... ele sozinho....
Esse "agora você", "agora eu" encheram-me os olhos de lágrimas...
E então, aconteceu algo que me pareceu extraordinário. O mais velho começou a cantar, a sambar, a jogar futebol com a lata de leite. Estava radiante, o estomago vazio, mas o coração transbordante de alegria. Pulava com a naturalidade de quem não fez nada de extraordinário, ou melhor, com a naturalidade de quem está habituado a fazer coisas extraordinárias sem dar-lhes maior importância.
Daquele moleque nós podemos aprender a grande lição: "quem dá é mais feliz do que quem recebe".
É assim que nós temos de amar. Sacrificando-nos com tal naturalidade, com tal elegância, com tal discrição, que os outros nem sequer possam agradecer-nos o serviço que nós lhe prestamos.

Abraços cósmicos
Fernanda

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