FEITURA
O ritual de feitura, de iniciação ao sacerdócio no Candomblé recebe vários nomes; fazer o santo, fazer a cabeça, deitar para o santo, oba baxé ori ou simplesmente oro, que é sacrifício e consagração. A pessoa que se inicia no Candomblé torna-se adoxú, ou seja, passa a possuir oxu, que é o canal de comunicação entre o iniciado e o seu orixá. Todo iniciado no Candomblé, toda pessoa "feita no santo" do neófito ao sacerdote é adoxú.
Feitura representa um renascimento; é o reconhecimento e a admissão do ori escolhido no orun. É o mesmo que entregar a cabeça (principio da individualidade) ao orixá (o deus maior de cada ser), permitindo que os deuses conduzam sua vida e seu destino. A feitura é um divisor de águas na vida será novo, inclusive o seu nome, pois todo iniciado recebe um ORUKÓ, ou seja, um nome dado por seu orixá e com o qual passa a ser chamado na comunidade de Candomblé.
A feitura de santo implica um período de reclusão geralmente de 21 dias. Nesse prazo serão realizados os ebós, as oferendas a Exu e aos ancestrais, o bori, todo aprendizado em relação à religião: as rezas, os cânticos, as danças etc., e por fim o oro, ritual no qual, na maioria das vezes, o filho-de-santo tem seus cabelos raspados e recebe oxu, o kelé, os Ikan, Mokan, os Delogum, o xaorô, o Ikodidé e passa pelo ritual de efun (no qual seu corpo é marcado por pintas de giz), que se repetirá pelos sete dias subseqüentes. O orixá do noviço é assentado e recebe o sacrifício de animais. O noviço, chamado de iaô (que é uma redução do nome iawórisà), é apresentado à comunidade sete dias de odoxu.
A festa em que a iaô é apresentada à comunidade é popularmente conhecida como saída de iaô e reconstituem em suas três etapas fases da concepção e do nascimento. Sempre acompanhado de autoridade como Ia quequerê e a Ajibioná (a que conduz ao caminho do nascimento), a iaô vem receber as devidas homenagens. A esteira (enin) é estendida na porta principal do barracão para que a iaô faça sua reverência (adobá): primeiro saúda o mundo, no qual viverá os dias vindouros tendo como mentor o seu orixá; voltando-se para o centro do barracão, reverencia o Ari-axé, que simboliza a comunidade, a qual a apoiará em todos os seus passos, a sua grande família; finalmente, prostra-se em frente aos atabaques, saudando as autoridades, todos os ijoyé do terreiro, com os quais muito aprenderá ao longo de seus sete anos de iniciação. A cada reverência a iaô "bate paó", ou seja, palmas compassadas. Neste ritual é acompanhada por toda a comunidade, prova de que, a partir daquele momento jamais estará sozinho.
O momento mais esperado de saída de iaô, quando o orixá anuncia o nome da iniciação de seu filho. É a partir desse momento que começa a contar a vida do neófito na religião. É um momento de muita alegria, no qual a comunidade recebe um novo membro. É escolhido um integrante da comunidade ou um visitante ilustre para ser padrinho da iaô (babá-orumkó) e este pergunta:
- Orúku ti Íyòwó? (QUAL O SEU NOME IAÔ?)
Ele terá a grande honra de ser o primeiro, a saber, do novo filho-de-santo e depois pedir ao orixá que anuncie a todos. Então, girando em torno de si o orixá fala:
- Ode Kojá! (O CAÇADOR DESTEMIDO).
O babalorixá proclama:
- Ode Kojá, kú ilé! (Ode cojá seja bem vindo a essa casa).
A comunidade em torno do mais novo membro comemora feliz:
Wá iná, iná
Ki mi pa Odó
Odé Kojá, kú ilé.
VENHA LUZ, LUZ,
QUE LOUVAMOS
TRAGAM O PILÃO (símbolo da comunidade)
ODE KOJÁ SEJA BEM VINDO A ESTA CASA!
Vale dizer que transe não é imprescindível para que uma pessoa seja iniciada como odoxu, pois, independentemente de se manifestar o orixá está em cada um de seus filhos. Isso é muito importante, porque só os odoxu podem assumir determinadas funções sacerdotais, como os cargos de iyalorixá ou babalorixá. Sendo assim, uma pessoa que tem em seu odu a missão sacerdotal, incorporando ou não o orixá, deve se iniciada como adoxú e nunca como ogã ou equédi, que já são ijoyé natos e jamais poderão entrar em transe de orixá.
Como foi dito anteriormente, algumas pessoas não precisam ser raspadas ao se iniciarem. Esse é o caso principalmente das crianças que nasceram fadadas à morte, mas venceram o trágico destino (abiku). Existe uma graduação delas que considera as especificidades de seu nascimento. Por exemplo: as crianças que nasceram com pêlos nos pés, com o cordão umbilical em volta do pescoço, depois de vários abortos, que foram abandonados ao nascer ou cujo as mães morreram ao dar a luz - neste último caso, se abiku for indevidamente raspado pode levar o seu pai-de-santo (ou seja, aquele que lhe deu a vida na religião) à morte. É evidente que todo natimorto é abiku.
Ao contrário do que se pode supor, a iniciação não se resume aos 21 dias de reclusão. Na verdade ela dura sete anos e neste período a iaô aprenderá muitas coisas e reforçará os seus votos nas obrigações de um ano e de três anos. A primeira comemora, "quando a criança começa a andar"; a segunda está relacionada ao cumprimento da metade do ciclo de iniciação. Findos sete anos, após realizar suas obrigações, a iaô passa à categoria de ebômi (egbomin), e está pronto para assumir funções sacerdotais dentro da comunidade ou formar seu próprio terreiro, tornando-se um babalorixá ou iyalorixá.
Do Livro Os Orixás - Pierre Verger
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